Ao contrário do que algumas pessoas pensam, localizar um jogo para outro idioma é uma tarefa bastante complexa. Esse é um trabalho que vai além da simples tradução dos textos, exigindo dedicação, jogo de cintura e profundo conhecimento de ambas as línguas. E quando esse processo envolve dublagem, ele se torna ainda mais complicado, como explica a pessoa responsável por trazer o Castlevania: Symphony of the Night para o inglês.
Adorado pela sua ótima jogabilidade, belíssimos gráficos 2D e uma das trilhas sonoras mais fantásticas de todos os tempos, é fácil encontrar adjetivos para elogiar o Castlevania: Symphony of the Night. Porém, se tem um aspecto daquele jogo que sempre dividiu opiniões, chegando até mesmo a virar piada, foi a sua dublagem.
O processo de localização do título foi comandado por Jeremy Blaustein, sujeito que seria o responsável pela inclusão daquela que talvez seja a frase mais icônica da franquia Castlevania, a "What is a man? A miserable little pile of secrets," que ele retirou do livro A condição Humana, de André Malraux.
Blaustein depois também ficaria conhecido por traduzir outros jogos que se tornariam clássicos, como Metal Gear Solid, Snatcher, Silent Hill, Shadow Hearts e Shenmue. Porém, no caso da aventura protagonizada por Alucard, o tradutor não participaria de uma etapa que se tornaria crucial: a dublagem.
Mais de duas décadas após o lançamento do Castlevania: Symphony of the Night, o tradutor conversou com John Szczepaniak enquanto este estava escrevendo o livro The Untold History of Game Developers: Volume 5, quando Jeremy Blaustein deu sua visão sobre o motivo para aquela dublagem ter saído tão... peculiar. Para ele, tudo se deve ao fato de um não-nativo em inglês ter dirigido os atores.
“O Symphony of the Night, só para você saber, foi feito pelo meu antigo parceiro de negócios, amigo e colega. E eu fiz o roteiro, o traduzi. E então, ele estava trabalhando na Konami e supervisionava a produção de vozes. Então, ele tinha os atores à frente e eles atuavam. E eles tinham restrição de tempo e a fita continuava rodando. E tudo se resume à sua capacidade de ouvir aquele inglês nativo, equilibrá-lo com a biblioteca de filmes, livros, vídeos e coisas que viu em inglês em sua longa história em ser americano — que era nenhuma, porque ele era japonês.
O que estou dizendo é que, quando você dirige algo e está ouvindo um cara se apresentar, o que você deve fazer é pesar isso. Por exemplo, se eu escrevi as falas, eu sei exatamente como quero que elas soem. Eu sei o que está acontecendo. Eu conheço o conteúdo emocional da cena. Quando ouço um cara, posso julgá-lo muito bem, porque sou um falante nativo e tenho um bom ouvido. Mas se ouvisse um cara em japonês, não poderia dizer com segurança se ele estava sendo um bom ator ou não, ou se ele era fiel ao gênero policial japonês dos anos 1970. Sabe o que estou dizendo? Se trata de conseguir as pessoas certas para o trabalho.”
Pode até soar que Blaustein tentou jogar a responsabilidade para outra pessoa, mas acredito que essa não tenha sido sua intenção. Na entrevista ele chega a dizer que seria a pessoa errada para localizar um jogo de inglês para japonês, algo que fatalmente “iniciaria uma cadeia de eventos que levaria a um trabalho malfeito.”
“A capacidade de falar uma língua a ponto de fazer qualquer coisa e ir a qualquer lugar ou algo assim é uma coisa, mas a habilidade de perceber o quão bem uma pessoa está se emocionando em uma certa cena é algo bem diferente,” defendeu o tradutor. “São dois níveis realmente diferentes, mas de uma perspectiva de terceiros, posso entender que isso não seja tão óbvio.”
Julgando pelo que temos hoje, com a quantidade impressionante de dinheiro que costuma ser gasto numa grande produção, pode parecer absurdo a Konami ter cometido um erro tão básico. Porém, é preciso levar em consideração o cenário da época, quando a dublagem em jogos ainda estava dando seus primeiros passos e com a empresa acreditando que o Castlevania: Symphony of the Night não teria muita chance no ocidente.
Na ocasião, deste lado do planeta o primeiro PlayStation era visto como uma máquina voltada principalmente para os gráficos poligonais e algo como aquele jogo poderia ser encarado como um retrocesso, uma volta à geração 16-bit. Isso fez com que aquele Castlevania recebesse pouca verba, tanto para a sua divulgação quanto para a localização. Assim, como exigir que aquelas pessoas entregassem um trabalho digno de Hollywood?
O curioso é que a aposta da Konami estava certa, já que inicialmente o Symphony of the Night não se traduziu num sucesso comercial nos Estados Unidos. O seu reconhecimento só aconteceria com o passar do tempo, com ele chegando a ser relançado digitalmente em 2006 para o Xbox 360. Já no ano seguinte seria a vez do clássico reaparecer, dessa vez no PSP como um conteúdo desbloqueável no Castlevania: The Dracula X Chronicles.
O interessante sobre esta versão é que a Konami decidiu fazer algumas alterações na aventura de Alucard, incluindo mudanças no roteiro e na própria dublagem, que foi totalmente regravada com novos atores. A decisão não agradou aqueles que tinham uma certa nostalgia pela macarrônica dublagem original e quando o Castlevania Requiem: Symphony of the Night and Rondo of Blood foi lançado, muitos se decepcionaram por a empresa ter repetido o “erro”, já que o jogo foi baseado naquela versão para o portátil.
Confesso que mesmo tendo jogado (e adorado) o Symphony of the Night quando ele chegou ao primeiro PlayStation, sempre achei sua dublagem muito exagerada e por isso não me incomodou a versão repaginada lançada anos depois. Agora, o que nunca entendi foi eles terem mudado as falas dos personagens. Para mim, pensar naquele Castlevania sempre me fará lembrar primeiro de uma coisa: “What is a man?...”
Fonte: Time Extension
Symphony of the Night e os desafios de localizar jogos - Meio Bit
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