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Monday, December 26, 2022

Cientistas dão novo passo para declarar o Antropoceno, a era dos humanos - UOL

A linha do tempo oficial da história da Terra –das rochas mais antigas aos dinossauros e à ascensão dos primatas, do Paleozoico ao Jurássico e todos os pontos anteriores e posteriores– poderá em breve incluir a era das armas nucleares, das mudanças climáticas causadas pelo homem e da proliferação de plásticos, lixo e concreto em todo o planeta.

Em suma, o presente.

Dez mil anos depois que nossa espécie começou a formar sociedades agrárias primitivas, um painel de cientistas deu no último dia 17 um grande passo para declarar um novo intervalo de tempo geológico: o Antropoceno, a era dos humanos.

Nossa atual época geológica, o Holoceno, começou há 11,7 mil anos com o fim da última grande era glacial. Os cerca de 35 estudiosos do painel parecem estar perto de endossar que, na verdade, passamos as últimas décadas em uma unidade de tempo totalmente nova, caracterizada por mudanças em escala planetária induzidas pelo homem que estão incompletas, mas em andamento.

"Se você estivesse nos anos 1920, sua atitude seria: 'A natureza é muito grande para os humanos influenciarem'", disse Colin N. Waters, geólogo e presidente do Grupo de Trabalho do Antropoceno, o painel que tem deliberado sobre o assunto desde 2009. O século passado mudou esse pensamento, disse Waters. "Foi um evento de choque, um pouco como um asteroide atingindo o planeta."

Os membros do grupo de trabalho completaram no dia último 17 a primeira de uma série de votações internas sobre detalhes, incluindo quando exatamente eles acreditam que o Antropoceno começou. Assim que essas votações terminarem, o que poderá ocorrer no próximo trimestre, o painel apresentará sua proposta final a três outros comitês de geólogos cujos votos tornarão o Antropoceno oficial ou o rejeitarão.

Sessenta por cento de cada comitê precisará aprovar a proposta do grupo para que ela avance para o seguinte. Se falhar em algum deles, o Antropoceno talvez não tenha outra chance de ser ratificado durante anos.

Se chegar até o fim, porém, a linha do tempo alterada da geologia reconheceria oficialmente que os efeitos da humanidade no planeta foram tão importantes que encerraram o capítulo anterior da história da Terra. Reconheceria que esses efeitos serão perceptíveis nas rochas durante milênios.

"Eu ensino a história da ciência –você sabe, Copérnico, Kepler, Galileu", disse Francine McCarthy, cientista da Terra na Universidade Brock, no Canadá, e membro do grupo de trabalho. "Estamos realmente fazendo isso", disse ela. "Estamos vivendo a história da ciência."

Ainda assim, há críticas ao Antropoceno, embora todos tenhamos uma familiaridade de primeira mão com ele, ou talvez por isso mesmo.

Stanley C. Finney, secretário-geral da União Internacional de Ciências Geológicas, teme que o Antropoceno tenha se tornado uma forma de os geólogos fazerem uma "declaração política".

Na vasta extensão do tempo geológico, observa ele, o Antropoceno seria um pontinho ínfimo. Outras unidades de tempo geológico são úteis porque orientam os cientistas em trechos de tempo profundo que não deixaram registros escritos, apenas observações científicas esparsas. O Antropoceno, por outro lado, seria uma época na história terrestre que os humanos já documentaram extensamente.

"Para a transformação humana, não precisamos dessas terminologias, temos os anos exatos", disse Finney, cujo comitê seria o último a votar na proposta do grupo de trabalho se ela chegar tão longe.

Martin J. Head, membro do grupo de trabalho e cientista da Terra na Universidade Brock, argumenta que se recusar a reconhecer o Antropoceno também teria repercussões políticas.

"As pessoas diriam: 'Bem, isso significa que a comunidade geológica está negando que mudamos o planeta drasticamente?'", disse ele. "Teríamos que justificar nossa decisão de qualquer maneira."

Philip L. Gibbard, geólogo da Universidade de Cambridge, é secretário-geral de outro dos comitês que votarão a proposta do grupo de trabalho. Ele tem sérias preocupações sobre como a proposta está se moldando, preocupações que a comunidade geológica mais ampla compartilha, na opinião dele.

"Não será fácil", disse.

'Um negócio confuso e controverso'

Como os zoólogos que regulam os nomes das espécies animais ou os astrônomos que decidem o que conta como um planeta, os cronometristas da geologia trabalham de forma conservadora, por padrão. Eles estabelecem classificações que serão refletidas em estudos acadêmicos, museus e livros didáticos para as próximas gerações.

"Todo mundo critica o Grupo de Trabalho do Antropoceno porque eles demoraram muito", disse Lucy E. Edwards, cientista aposentada do Serviço Geológico dos Estados Unidos. "Em tempo geológico, isso não é muito."

Desenhar linhas no tempo da Terra nunca foi fácil. O registro das rochas é cheio de lacunas, "um quebra-cabeça com muitas partes faltando", como diz Gibbard. E a maioria das mudanças em escala global acontece gradualmente, tornando difícil identificar quando um capítulo termina e o próximo começa. Não houve muitos momentos em que o planeta inteiro mudou de uma vez só.

"Se um meteoro atinge a Península de Yucatán, é um marcador muito bom", disse Edwards. "Mas, fora isso, não há praticamente nada no mundo geológico que seja a melhor linha."

O início do Período Cambriano, cerca de 540 milhões de anos atrás, viu a Terra explodir com uma surpreendente diversidade de vida animal, mas seu ponto de partida exato tem sido contestado há décadas. Uma longa controvérsia levou ao redesenho do nosso atual período geológico, o Quaternário, em 2009.

"É um negócio confuso e controverso", disse Jan A. Zalasiewicz, geólogo da Universidade de Leicester. "E, claro, o Antropoceno traz toda uma nova gama de dimensões para a confusão e as disputas."

Impressão digital da humanidade

Demorou uma década de debate –em emails, artigos acadêmicos e reuniões em Londres, Berlim, Oslo e além– para o Grupo de Trabalho do Antropoceno definir um aspecto fundamental de sua proposta.

Em uma votação por 29 a 4 em 2019, o grupo concordou em recomendar que o Antropoceno começasse em meados do século 20. Foi quando as populações humanas, a atividade econômica e as emissões de gases de efeito estufa começaram a disparar em todo o mundo, deixando vestígios indeléveis: isótopos de plutônio de explosões nucleares, nitrogênio de fertilizantes, cinzas de usinas de energia.

O Antropoceno, como quase todos os outros intervalos de tempo geológicos, precisa ser definido por um local físico específico, conhecido como "cavilha de ouro", onde o registro da rocha claramente o diferencia do intervalo anterior.

Depois de anos de busca, o grupo de trabalho terminou no dia 17 de votar em nove locais candidatos para o Antropoceno. Eles representam a gama de ambientes nos quais os efeitos humanos estão gravados: uma turfeira na Polônia, o gelo da Península Antártica, uma baía no Japão, um recife de coral na costa da Louisiana (EUA).

Muitos estudiosos ainda não têm certeza se o limite de meados do século 20 faz sentido. É desajeitadamente recente, especialmente para arqueólogos e antropólogos que teriam que começar a se referir aos artefatos da Segunda Guerra Mundial como "pré-antropocênicos".

E o uso de bombas nucleares para marcar um intervalo geológico parece abominável para alguns cientistas, ou pelo menos irrelevante. Os radionuclídeos são um marcador global conveniente, mas nada dizem sobre a mudança climática ou outros efeitos humanos, disse Erle C. Ellis, ecologista da Universidade de Maryland.

Usar a Revolução Industrial pode ajudar, mas essa definição ainda deixaria de fora milênios de mudanças causadas no planeta pela agricultura e pelo desmatamento.

Chamado à atenção

Canonizar o Antropoceno é um chamado à atenção, disse Naomi Oreskes, membro do grupo de trabalho. Para a geologia, mas também para o resto do mundo.

"Fui criada em uma geração em que fomos ensinados que a geologia terminava quando as pessoas apareciam", disse Oreskes, historiadora da ciência na Universidade Harvard. O Antropoceno anuncia que "na verdade, o impacto humano faz parte da geologia como ciência", disse ela. Exige que reconheçamos que nossa influência no planeta vai além do nível superficial.

Mas Gibbard, de Cambridge, teme que, ao tentar adicionar o Antropoceno à escala de tempo geológico, o grupo de trabalho possa na verdade estar diminuindo a importância do conceito. As regras estritas da linha do tempo forçam o grupo a impor um único ponto de partida em uma história extensa, que se desenrolou em diferentes épocas em diferentes lugares.

Ele e outros argumentam que o Antropoceno merece um rótulo geológico mais flexível: um evento. Os eventos não aparecem na linha do tempo; nenhuma burocracia de cientistas os regula. Mas eles têm sido transformadores para o planeta.

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