A Nasa apresentou nesta quinta-feira (15) um relatório de desempenho da missão do rover Perseverance na cratera Jezero, em Marte, e o entusiasmo dos cientistas pareceu palpável com a confirmação de que há quantidade apreciável de moléculas orgânicas, os tijolos básicos para a vida, no material colhido —ainda que "gratificação atrasada" seja o real nome do jogo.
Isso porque o veículo robótico pode conduzir a análise das rochas que vem colhendo de forma limitada, ditada pela capacidade de seus instrumentos. O resultado é insuficiente para responder às grandes questões que cercam a missão, como a busca por evidências de vida no passado de Marte. Mas isso tende a mudar quando o material for trazido à Terra para estudos aprofundados —o que deve acontecer só em 2033.
"A realidade é que o nível de prova para estabelecer vida em outro planeta é muito alto. E parece improvável para a maioria de nós que a evidência seja tão convincente [em observações com o rover] que possamos fazer isso", diz Ken Farley, cientista de projeto do Perseverance e pesquisador do Caltech, o Instituto de Tecnologia da Califórnia. "Não é muito provável que façamos uma detecção definitiva de vida [com o rover]. O máximo que provavelmente poderemos fazer é uma potencial detecção."
A situação, é claro, muda quando se pensa que muitas dessas rochas serão trazidas à Terra para análise mais detida. Aí, só o fato de que os cientistas foram capazes de confirmar que a escolha da cratera Jezero para a expedição do rover foi acertada e o que eles esperavam encontrar de fato está por lá já anima bastante.
"É justo dizer que essas já são as amostras de rocha mais valiosas já coletadas na história", disse David Shuster, cientista de amostra do Perseverance e pesquisador da Universidade da Califórnia em Berkeley.
"As amostras que coletamos têm os ingredientes para a vida, em termos do contexto ambiental. Esse material foi transportado por água, foi depositado em um lago, temos partículas finas que estavam se assentando no lago, temos fases que foram formadas durante a evaporação do lago, todas essas coisas, como discutimos, têm alto potencial para preservação de bioassinaturas. Se essas condições existiram em qualquer lugar da Terra, em qualquer ponto do tempo nos últimos, digamos, 3,5 bilhões de anos, acho que é seguro dizer, ou pelo menos presumir, que a biologia teria feito o seu negócio e deixado sua marca nessas rochas para a gente observar. Então, é por isso que estamos tão empolgados de ser capazes de responder essas perguntas ao trazer essas amostras para laboratórios aqui na Terra."
DE ROCHAS ÍGNEAS A SEDIMENTARES
Por uma questão de segurança de voo, o rover pousou mais para o fundo da cratera Jezero, onde o terreno era menos acidentado, em fevereiro do ano passado. Ao analisar essas rochas mais próximas ao local de pouso, houve alguma surpresa ao descobrir que eram ígneas —ou seja, formadas por lava que escorreu para dentro da cratera em seu passado mais remoto.
O achado mostrou que a cratera, formada há cerca de 3,8 bilhões de anos, tem uma história mais complexa do que antes se imaginava. Sabe-se que houve um lago persistente de água salgada em seu interior durante algum tempo, e o delta seco que existe a oeste dela (alvo primário da missão) bem como traços nas bordas deixam isso cabalmente demonstrado —sinais claros de água fluindo para dentro da cratera e se depositando em grande quantidade no interior.
Algumas amostras de rochas ígneas foram coletadas pela missão e, embora não ofereçam o maior potencial na busca das chamadas bioassinaturas (a detecção de moléculas que estiveram associadas à vida no passado), permitem datar com precisão quando ocorreu o fluxo de lava que as formou. O delta, por sua vez, foi gerado de forma posterior, sinalizando que o lago veio depois do fluxo de lava no fundo da cratera. "Se houve, antes desse fluxo, outras instâncias do lago, não temos como saber", diz Farley. "O que podemos ver é a última iteração dele, que foi a que produziu o delta."
Numa corrida sem precedentes de um veículo robótico na superfície de outro planeta, o Perseverance percorreu 5 km em 31 dias, entre março e abril, até chegar ao delta. É naquela região que ele vem trabalhando desde então, e é de lá que vêm as amostras mais interessantes para a busca por vida, compostas por rochas sedimentares, ou seja, depositadas em camadas pela água corrente avançando para o interior da cratera.
"Observamos sinais de material orgânico em cada alvo que analisamos desde que pousamos, aqui e ali, mas eles foram ficando mais intensos conforme avançamos para a região do delta, ao ponto de vermos em todos os pontos de análise em cada medição", disse Sunanda Sharma, cientista do JPL (o Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa) ligada ao instrumento Sherloc, do rover, que é capaz de determinar a composição química de rochas numa escala relativamente pequena, com vários pontos de medição em uma área do tamanho de uma ponta de borracha em um lápis.
"Para colocar em termos simples, se isso fosse uma caça ao tesouro por sinais potenciais de vida em outro planeta, matéria orgânica é uma pista, e estamos pegando pistas cada vez mais fortes conforme avançamos em nossa campanha do delta", finaliza.
Ao longo do próximo ano, o rover continuará avançando pelo delta e pretende alcançar a borda do lago seco. No começo dessa jornada, pode ainda fazer sua primeira deposição de tubos de amostras no solo para futura coleta pelas missões que devem promover seu envio à Terra, numa parceria entre Nasa e ESA, agências espaciais dos EUA e da Europa.
Nasa encontra 'tijolos da vida' em rochas de delta de lago em Marte - UOL
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