Um levantamento sem precedentes da diversidade genética que existia entre os lobos do fim da era do Gelo acaba de trazer mais pistas sobre as origens da longa história de amor entre cães e seres humanos.
Os dados indicam que a maioria dos cachorros vivos hoje tem parentesco mais próximo com os lobos antigos que viviam no leste da Eurásia, em locais como a Sibéria, embora outras populações da espécie aparentemente também tenham contribuído para os ancestrais dos bichos domésticos de hoje.
Os resultados, publicados recentemente na revista científica britânica Nature, não chegam a resolver totalmente o enigma da domesticação dos cães, mas trazem uma grande massa de informações novas sobre o tema.
"O conjunto de dados do artigo é bastante impressionante. Temos cerca de 70 genomas sequenciados [ou seja, 'soletrados' na íntegra, como o genoma humano atual] ao longo de uma série temporal de 100 mil anos. Isso permitiu que analisássemos uma quantidade enorme de detalhes a respeito de como os lobos evoluíram ao longo desse período. E, claro, um dos aspectos disso é a relação deles com os cães domesticados", explica David Stanton, pesquisador do Centro de Paleogenética da Queen Mary University de Londres, em comunicado oficial.
Ele é um dos coautores do estudo, realizado por uma equipe internacional com dezenas de cientistas, a maioria europeus.
Os lobos com milhares ou dezenas de milhares de anos que "doaram" seu DNA para o estudo têm distribuição geográfica ampla. Seus esqueletos vêm de boa parte da Europa Ocidental, da Rússia, do Oriente Médio, da Ásia Central e da América do Norte.
De fato, os lobos eram uma das espécies de grandes mamíferos mais bem distribuídas pelo planeta no Pleistoceno (a era do Gelo), ponto no qual se assemelhavam aos seres humanos que acabariam domesticando alguns deles. Essa distribuição geográfica, sinal de grande versatilidade, pode ajudar a explicar o fato de que os bichos não desapareceram no fim desse período, ao contrário do que aconteceu com muitos outros predadores do Pleistoceno, como ursos-das-cavernas e dentes-de-sabre.
"É impressionante como eles conseguiam se movimentar de forma relativamente rápida e fácil por muitas regiões", observou Stanton em comunicado oficial.
Outro possível fator-chave foi revelado pela análise genômica: a conexão frequente entre as populações de lobos ao longo do tempo. Ao que tudo indica, a reprodução envolvendo diferentes grupos da espécie funcionava como um eficiente "telefone sem fio", levando mutações novas no DNA de um canto a outro do hemisfério Norte, principalmente se elas aconteciam na Sibéria.
O território siberiano parece ter sido o lugar que mais "exportava" genes de lobos para as populações lupinas em outros lugares do planeta. Com essa facilidade para se misturar e incorporar novidades genéticas, os bichos podem ter aumentado sua capacidade de se adaptar a novos desafios do ambiente ao longo do tempo.
A situação parece ter mudado de figura para os lobos a partir de 10 mil anos antes do presente, época na qual a agricultura e a criação de animais estava começando em diversos lugares do mundo, com aumento da densidade populacional humana. Isso pode significar que, a partir desse momento, os membros da nossa espécie causaram mudanças ambientais que reduziram o território disponível para os bandos lupinos e impediram que eles continuassem com o contato entre si.
Os dados genômicos também indicam que os ancestrais dos cães vivos hoje ainda faziam parte de uma única "grande família" com os lobos, ao menos no que diz respeito ao DNA, há 28 mil anos. Essa poderia ser a data para o início do processo de domesticação, o que significaria que os cães passaram a viver com os seres humanos cerca de 20 mil anos antes do que qualquer outro animal. Mesmo assim, os autores do novo estudo observam que o processo pode até ter começado antes disso.
A comparação mais detalhada dos lobos antigos com os membros modernos da sua espécie e os cães revelou ainda que nenhuma população atual de lobos bate com a dos possíveis ancestrais dos cães domésticos. Os cachorros estão mais próximos dos lobos que existiam no leste da Eurásia no fim da era do Gelo, de maneira geral. Mas os cães do Oriente Médio e da África derivariam até metade de seu DNA de outros lobos antigos, mais próximos dos que vivem hoje na parte mais ocidental da Eurásia.
Isso pode indicar que os cães foram domesticados duas vezes, no Oriente e no Ocidente, ou que ocorreu apenas a domesticação oriental, à qual se somaram, mais tarde, cruzamentos com lobos ocidentais (já que a miscigenação entre lobos e cães é relativamente comum). Ainda não é possível dizer qual dos dois cenários é o mais provável.
Estudo aponta origem da história de amor entre cães e seres humanos - UOL
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