A abundância de espécies presentes no planeta é enorme, e estimativas dão conta de que apenas 20% delas já foram descritas, ou seja, tudo indica que a Ciência apenas começou a encontrar e catalogar todas as espécies da Terra. Em meio a uma grave crise de perda de biodiversidade, que ameaça ecossistemas do mundo todo, em 2021 centenas de novas espécies foram descobertas.
Só o Museu de História Natural de Londres, por exemplo, identificou 552. Com as viagens internacionais restritas por conta da pandemia de Covid-19, os cientistas do museu não puderam fazer buscas de campo e por isso se concentraram em estudar e descrever exemplares que já haviam sido coletados, mas ainda não tinham sido devidamente identificados e nomeados.
Entre eles estão quatro novas espécies de dinossauros. “Tem sido um ano fantástico para a descrição de novos dinossauros, especialmente do Reino Unido”, disse ao The Guardian Susannah Maidment, pesquisadora sênior em paleobiologia do museu, que ajudou a descrever algumas das novas descobertas. “Embora saibamos da herança dos dinossauros no Reino Unido há mais de 150 anos, a aplicação de novas técnicas e novos dados de todo o mundo está nos ajudando a descobrir uma diversidade oculta de dinossauros britânicos", completou.
Descobertas no Brasil
Mas não foi só na Europa que novos gigantes pré-históricos foram catalogados. No Brasil, cientistas identificaram o primeiro dinossauro carnívoro encontrado na cidade de Monte Alto, considerada a terra dos dinossauros brasileiros, onde estão localizados diversos sítios paleontológicos. Segundo os estudos, o recém-descoberto Kurupi itaata buscava suas presas nas terras de São Paulo e media cerca de 5 metros de altura.
Nova espécie de dinossauro carnívoro foi descoberta em São Paulo — Foto: Julia d'Oliveira/Divulgação/Direitos Reservados
"Com os ossos que nós encontramos, no caso o osso da bacia, 3 vértebras e têm alguns que a gente ainda ainda não identificou, foi possível fazer análise filogenética, identificar a qual família o bicho pertencia e também foi permitido ver que era um bicho novo", afirmou Fabiano Vidoi, paleontólogo responsável pela pesquisa e coautor da publicação científica do achado, que pode ser lida na íntegra no periódico Journal of South American Earth Sciences (em inglês).
Ainda em São Paulo, pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) descreveram a formação de uma nova espécie de planta, a orquídea de praia Epidendrum fulgens. A flor é abundante no litoral de SP e em ilhas oceânicas como as do arquipélago de Alcatrazes, a 35 quilômetros do centro de São Sebastião.
Epidendrum fulgens encanta com tons de amarelo e laranja — Foto: Unicamp/Divulgação
“Pela primeira vez no Brasil, e talvez no mundo, conseguimos detectar sinais de isolamento reprodutivo entre populações de uma planta no litoral e na ilha. Já esperávamos que as plantas da ilha fossem geneticamente diferentes; o achado se deu quando tentamos cruzá-las com as do continente. Além da elevada diferenciação, experimentos de biologia reprodutiva revelaram que as plantas da ilha perderam a capacidade de se reproduzir com as do continente, indicando que há o processo de formação de uma nova espécie em andamento”, afirmou Fábio Pinheiro, professor do Instituto de Biologia (IB-Unicamp) e um dos responsáveis pelo estudo, vinculado a projeto financiado pela FAPESP.
Na Amazônia, uma nova espécie de sagui foi descoberta na região do "arco do desmatamento", onde se encontra quase um terço dos índices totais de derrubada da floresta. Batizado de Mico schneideri, o primata vive em áreas elevadas nas bacias dos rios Juruena e Teles-Pires.
Mico schneideri é nova espécie de sagui descoberta na Amazônia — Foto: Rodrigo Costa-Araújo et al
A descoberta foi feita por uma equipe de pesquisadores da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), do Museu Paraense Emílio Goeldi e da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT). Eles descreveram o M. schneideri com base em saguis estudados desde 1995, mas que estavam classificados erroneamente como sendo da espécie M. emiliae.
Na Mata Atlântica, pesquisadores descreveram e catalogaram uma nova espécie de sapo que é menor do que uma moeda de 10 centavos. O novo sapinho-pingo-de-ouro foi encontrado no trecho paulista da Serra do Mar, que fica no entorno de uma das maiores regiões metropolitanas do mundo. “[Isso] mostra o quanto a gente ainda tem a descobrir a respeito da nossa biodiversidade, mesmo com o avanço das cidades, mesmo com as dificuldades todas de conservar, de proteger a biodiversidade, a gente ainda tem boas surpresas”, apontou o biólogo Leo Malagoli, gestor de Unidades de Conservação da Fundação Florestal de São Paulo e coautor do estudo.
O sapinho-pingo-de-ouro e a fluorescência de suas placas ósseas dorsais sob a luz ultravioleta — Foto: Juliane P. C. Monteiro / Divulgação
No mundo dos insetos, pesquisadores do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo decidiram nomear novas espécies de formigas catalogadas este ano em homenagem a mulheres brasileiras. Entre as homenageadas na descoberta científica estão a vereadora e ativista dos direitos humanos Mariele Franco, assassinada em 2018, a escritora Clarice Lispector e a jogadora de futebol Miraildes Maciel Mota, conhecida como Formiga. Também estão na lista Dandara dos Palmares, que foi casada com Zumbi e atuou no combate à escravidão e Margarida Maria Alves, primeira mulher a se tornar líder sindicalista no Brasil.
Hylomyrma mariellae foi batizada em homenagem à vereadora Marielle Franco — Foto: Mônica Ulysséa
A iniciativa da entomóloga Mônica Ulysséa busca chamar atenção para a desigualdade de gênero, que também acontece nos laboratórios, além de exaltar e reconhecer a vida e obra de mulheres incríveis. “Dar nomes a esses bichos é também reconhecer a diversidade que existe em determinado espaço. Sabendo isso, dá pra dizer se a espécie é endêmica de uma região, por exemplo”, afirmou Mônica ao Jornal da USP.
Novas espécies pelo mundo
Embora uma espécie possa ser nova para a Ciência, isso não significa necessariamente que ela ainda não tenha sido encontrada pelos humanos ou não tenha recebido um nome. “Muitas espécies novas para a ciência já são conhecidas e utilizadas por pessoas nas suas região de origem - pessoas que foram seus guardiões primários e muitas vezes detêm um conhecimento local incomparável”, disse à Mongabay o diretor de ciência do Royal Botanic Gardens, Alexandre Antonelli.
Este ano, pesquisadores concluíram que um grupo de baleias no Golfo do México que se pareciam com as baleias de Bryde são na verdade uma nova espécie, que eles chamaram de Balaenoptera ricei. A descoberta foi possível graças à dados genéticos e ao estudo do corpo de uma baleia encalhada. Os cientistas estimam que apenas 33 indivíduos da nova espécie permanecem vivos e que estas baleias estejam ameaçados pelo tráfego de navios, resíduos de plástico e exploração de petróleo e gás no Golfo.
Uma baleia de Rice nada no Golfo do México — Foto: NOAA
Nas montanhas Nimba, na Guiné, na África Ocidental, um grupo de pesquisadores encontrou uma nova espécie de morcego laranja que vive nas cavernas e nos túneis de mineração. A espécie recém-descrita foi chamada de Myotis nimbaensis e acredita-se que estes morcegos estejam em perigo crítico. De acordo com o site Mongabay, a Bat Conservation International e a mineradora local Société des Mines de Fer de Guinée estão trabalhando para reforçar os túneis e cavernas para que os morcegos tenham um lar seguro na montanha.
Myotis nimbaensis é uma nova espécie de morcego com o nome da cordilheira em que se encontra, as Montanhas Nimba, na África Ocidental — Foto: Kendra Snyder / Bat Conservation International
Em 2015, um pesquisador visitou a floresta tropical Peak Wilderness, nas terras altas centrais do Sri Lanka, e encontrou uma planta ainda não catalogada do gênero Strobilanthes. Conhecidas como “belas adormecidas”, muitas dessas plantas florescem apenas uma vez a cada 12 anos. Assim, ano após ano, o pesquisador voltou a esse local de difícil acesso, esperando que a planta florecesse. Agora, seus esforços e paciência finalmente valeram a pena: as flores da bela adormecida Strobilanthes desabrocharam e revelaram uma nova espécie, a Strobilanthes medahinnensis.
Strobilanthes medahinnensis foi avistada pela primeira vez em setembro de 2015 na floresta tropical de Peak Wilderness — Foto: Nilanthi Rajapakse
Na Austrália, a drag queen Ru Paul foi a inspiração para batizar uma nova espécie de mosca supercolorida. A mosca RuPaul faz parte de um novo gênero australiano chamado Opaluma (das palavras latinas para opala e espinho), e, foi batizada de Opaluma rupaul. O motivo, segundo o entomologista Bryan Lessard, é que elas se parecem com “pequenas joias zumbindo no chão da floresta”.
Mosca opaluma rupaul recebeu nome em homenagem à famosa drag queen e apresentadora de TV — Foto: Reprodução Ru Paul Drag Race/ CSIRO
O entomologista do CSIRO (Commonwealth Scientific and Industrial Research Organisation) disse que a prática crescente de nomear insetos com nomes de ícones da cultura pop ajudou espécies ameaçadas a ganhar atenção em meio a crises ambientais como as mudanças climáticas. “Há uma nova onda de entomologistas usando a cultura pop para gerar interesse em nossa ciência e no que fazemos. Com os esforços de recuperação dos incêndios florestais, normalmente o interesse vai para as espécies fofas como os coalas, mas muitos dos invertebrados não ganham nenhuma atenção e são eles os trabalhadores essenciais do nosso ecossistema... é muito importante que os estudemos”, disse o especialista ao The Guardian.
Durante um dos lockdowns determinados por conta da pandemia de Covid-19 na Índia, um aluno de mestrado começou a tirar fotos dos animais ao redor de sua casa e uma das fotos postadas em uma rede social chamou a atenção de um herpetologista, um estudioso de répteis. Depois de investigações científicas, pesquisadores determinaram que o exemplar fotografado por acaso era na verdade uma nova espécie.
“É muito interessante notar como uma imagem do Instagram levou à descoberta de uma cobra tão bonita que era desconhecida no mundo. Ultimamente, as pessoas querem viajar para pontos remotos de biodiversidade para encontrar espécies novas ou raras, mas se alguém olhar para seu próprio quintal, pode acabar encontrando uma nova espécie ali mesmo, disse o herpetólogo Zeeshan Mirza ao Mongabay.
Virendar Bhardwaj postou na internet esta foto de uma cobra encontrada em seu quintal, na Índia — Foto: Reprodução / redes sociais
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