Quando o telescópio Hubble, um dos mais importantes satélites de captação de imagens no espaço, foi lançado pela Nasa há 31 anos, a astrofísica Raissa de Lourdes Freitas Estrela completava um ano de vida.
Hoje, pós-doutoranda no Laboratório de Propulsão a Jato da agência espacial americana, a brasileira nascida em João Pessoa é integrante da equipe que fez uma importante descoberta a partir de imagens e informações captadas pelo Hubble. Pela primeira vez, foi identificado que um planeta — o GJ 1132 b, fora do Sistema Solar — refez sua atmosfera, a camada de gases no seu entorno. É um novo passo para os estudos sobre vida fora da Terra.
No final de maio, Raissa alcançou outro feito: ganhou o prêmio da União Astronômica Internacional, entidade de referência na área que existe desde 1919 e conta com membros em 106 países. A premiação foi para sua tese de doutorado, feita no Brasil e nos EUA, que analisa justamente a atmosfera de exoplanetas (que não orbitam ao redor do Sol).
"Como mulher e cientista, isso me dá esperança e estímulo para continuar a fazer pesquisa diante de tantas dificuldades que enfrentamos para seguir a carreira no Brasil", diz Raissa a Universa. "Espero que esse prêmio seja um incentivo para que mais jovens brasileiros façam ciência. Em especial as mulheres, pois ainda somos minoria nas ciências exatas e em cargos mais elevados."
De fascinada por astronomia na adolescência a pesquisadora na Nasa
A opção por cursar Física na UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte) já tinha um objetivo específico: se aprofundar no estudo da astronomia. "Lembro que minha mãe sempre me trazia um exemplar da revista 'Astronomy'", conta Raissa, que se tornou pesquisadora em astrofísica já na graduação.
A carreira de cientista avançou para um mestrado na Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo, onde emendou um doutorado, em 2018. Nessa época, por meio de um doutorado-sanduíche, em que parte do trabalho é concluído em outra instituição de ensino, teve a possibilidade de realizar sua pesquisa na Nasa, onde está até hoje.
"Devido à pandemia, acabei ficando direto para o pós-doutorado por causa do fechamento das fronteiras Brasil-EUA", afirma ela, que tem como próximo objetivo ser pesquisadora ou professora em uma universidade americana. "No momento, estou à procura de emprego por aqui. Porém, independentemente de onde eu estiver, sempre vou procurar manter colaborações com o Brasil, como atualmente mantenho colaboração com grupos no Mackenzie e na USP [Universidade de São Paulo]", afirma.
"Ser cientista no Brasil hoje está muito difícil devido aos cortes crescentes em ciência e tecnologia"
"Me desgastei mentalmente com o machismo na profissão"
Raissa ressalta que apesar de as mulheres estarem cada vez mais inseridas em carreiras científicas, espaço até pouco tempo restrito aos homens, sentiu na pele as provações do machismo a que pesquisadoras são submetidas.
"Fui vendo que nosso trabalho é muito mais questionado do que o dos outros colegas. Vivi momentos de atrito com alguns homens, não sei dizer se era inveja por parte deles ou outro motivo, à medida que fui avançando na carreira. Isso foi difícil para mim, pois ao invés de me preocupar com a minha pesquisa, eu me desgastei mentalmente com esses problemas."
Sua luta, diz, tem como objetivo abrir cada vez mais espaço para conquistas femininas. Viu no ecofeminismo uma maneira de unir sua luta pelas mulheres pela proteção do meio ambiente, outra de suas paixões da adolescência. "O ecofeminismo é uma vertente do movimento que reconhece a conexão entre a degradação e deterioração do meio ambiente com a opressão e subordinação das mulheres", explica. "Tem relação com outras causas, como o ambientalismo e os direitos dos animais, mostrando que mulheres e fêmeas de outras espécies na natureza são frutos do mesmo sistema explorador."
"Com o Hubble, colho 'impressão digital' de planetas"
Morando na cidade de Pasadena, no estado da Califórnia, Raissa Estrela tem uma rotina de pesquisa que consiste em analisar dados obtidos por um espectrógrafo, instrumento que lança luz no espaço para detectar a presença de moléculas ou átomos na atmosfera dos exoplanetas. O instrumento está a bordo do Hubble.
"Para isso, nós temos que esperar o momento em que o planeta passa em frente à sua estrela-mãe [em torno da qual orbitam] e, quando isso acontece, parte da luz emitida pela estrela irá passar pela atmosfera do planeta e será absorvida por moléculas ou átomos em certos comprimentos de onda, e por fim, a luz chegará ao telescópio espacial. É como uma 'impressão digital'", explica Raissa, nitidamente empolgada com o que faz. Apesar de já ter sido vacinada com as duas doses e 53% da população do estado em que vive ter recebido pelo menos a primeira dose, o trabalho, por enquanto, continua remoto.
Talento, dedicação, oportunidades e o privilégio de conseguir estudar em um país que investe na ciência explicam o sucesso de Raissa na sua carreira.
"Quando comecei minha carreira na pesquisa, por volta de 13 anos atrás, tive a oportunidade de fazer iniciação científica durante toda a graduação em física, além de uma graduação-sanduíche no exterior pelo Ciências sem Fronteiras [programa criado em 2011 para formação acadêmica no exterior]. Um estudante que está começando hoje muito provavelmente não terá a mesma oportunidade", afirma. "Hoje temos um governo no Brasil que cortou verbas para as universidades federais, os maiores centros de formação de cientistas, e onde a maior parte da pesquisa é feita."
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